-Psiu! Fala baixo. Ele está agora bem próximo de nós.
- Nossa! Perdi a noção do tempo. Desejo tanto que ele nos perceba aqui. Será que vai ser hoje?
-Como posso saber? Por enquanto só posso desejar. E aqui, ficar em silêncio. E, como de costume, ficar à espera, à espera, à espera...
-Fica assim, não. Somos filhos do silêncio até que alguém nos tire daqui e nos toque, nos veja e converse com o que temos de
mais forte em nós: a palavra.
- Sabe, muitas vezes me pergunto o porquê de não ser olhado, acarinhado, visto e sentido como eu gostaria. Somos muitos, estamos espalhados por aí...por tantos cantos..
-É verdade. E neste canto, encostado nesta coluna junto a
tantos outros amigos nossos, sinto que o amanhecer e anoitecer são pontes para uma longa espera.Às vezes as portas dessa sala se abrem, se fecham e aqui ficamos.Sempre em busca de um par de mãos.
-Sim, é verdade. Porém, é no amanhecer, em especial, que sinto minhas folhas criarem um movimento diferente, num frêmito desejo de ser tocado. E torno-me uma fonte inebriável de esperança. É isso... a espera vai sendo substituída pela esperança.
-Esperança. Ainda há por essas bandas de cá?
- Sim, acredito nisso. Quando pequenos grãos de poeira em mim se assentam, torço para que eles não ocultem a minha face.
- Mas a nossa face é sempre oculta. Só quem nos toca, nos abre e se entrega ao nosso mundo poderá desvendar o que tentamos dizer.
-Nossa! É esse mesmo sentimento que invade a minh'alma, quando os pensamentos chegam sem pedir licença.
- E vão embora sem se despedir.
-Mas olha..ele está perto, bem perto...
-Ih, acho melhor não se animar muito. E se, assim como os nossos pensamentos, ele chegar sem pedir licença , logo tocar a sua face e for embora sem dizer adeus? Olhar, virar você para lá e para cá, movimentar suas folhas. Não ficará assustado? Estará mesmo pronto para sair daqui dessas tão antigas prateleiras?
- Não é esse o nosso ofício ?
-Isso é verdade, meu caro amigo. Ser um livro é representar a espera desejosa de ser visto, tocado e sentir um coração pulsar, quando ELE, o leitor, encontra nas nossas páginas, no desenho e nas letras que nos vestem o que mais desejava.
-Então é isso, amigo! Ele não poderá nos dizer adeus quando estivermos em suas mãos e diante de seus olhos.
- Não? Tem certeza? E se continuarmos aqui, nesse habitat frio, sombrio, escuro, sem uma fina fresta de luz?
- Fica calmo, amigo. Se o leitor nos toca, nos olha e mergulha em nosso mágico mundo, é bem possível que entremos delicadamente em seu coração e lá encontremos a nossa nova morada.
-Devemos então alimentar nosso sonho, amigo. Há mesmo livros em toda parte. Mas há também, nos cantos de cá e de lá, muitos leitores em busca de um grande encontro com a nossa face.
-Bravo! Isso é uma bela verdade. Agora, faça silêncio, amigo. Ele está chegando. É o nosso leitor que se aproxima para abrir seu coração e permitir que, em nossas folhas, sinta o tanto que queremos dizer.
- Está bem. Ficarei aqui sonhando e à espera desse tão especial encontro.
- E mais do que nunca, meu amigo livro, sair do silêncio e conversar com aquele que é a razão de nossa existência: o leitor.